No século XX, um psicólogo suíço desceu aos porões da alma europeia e a mapeou. Milênios antes, na Índia, yogis mergulharam no oceano do corpo e o cartografaram. As linguagens são distintas, mas o território é o mesmo: a alma humana em sua busca por se tornar inteira.
Carl Jung chamou essa jornada de Individuação. O Tantra a chamou de União de Shiva e Shakti. Ambos sabiam que a meta não é a perfeição, mas a totalidade. Não é escolher a luz ou a escuridão, mas aprender a dançar na penumbra onde ambas se encontram.
A jornada, em ambos os mapas, começa com o reconhecimento de uma guerra civil. A guerra entre a Persona — a máscara social que usamos para sermos amados — e a Sombra, o porão úmido onde trancamos nossa raiva, nossa inveja, nossa sexualidade, tudo aquilo que nos disseram ser inaceitável.
A espiritualidade que apenas lustra a Persona é uma fraude. A verdadeira jornada começa com a descida corajosa a este porão, pois é lá que nossa força rejeitada está escondida. É o trabalho prático de integração da Sombra.
E como se constrói a paz? Como se dá a união dos opostos?
Jung nos deu os arquétipos: a Anima, a rainha interior que ensina o homem a sentir; e o Animus, o rei interior que ensina a mulher a agir. O Tantra nos deu as energias: Shakti, o rio oceânico da vida; e Shiva, a consciência que é a margem e o céu que o observa.

A psicologia de Jung nos entrega o libreto desta ópera interna. O Tantra nos ensina a sentir a música vibrando na carne. Um nos dá o “porquê” simbólico, o outro, o “como” somático.
O psicólogo suíço nos ensinou que o caminho para o divino passa, inevitavelmente, pelo humano. O yogue tântrico nos deu as ferramentas — a respiração, o sentir — para não nos perdermos nesta jornada.
As linguagens podem ser diferentes, mas a verdade é uma só. A inteireza não é alcançada ao se negar o monstro no porão. É ao descobrir que ele guarda a chave do nosso próprio tesouro.
É ter a coragem de abraçar nossa contraditória, assustadora e magnífica totalidade.