Por anos, meu corpo foi um motorista de aplicativo. Um estranho que eu contratava para me levar de uma reunião a outra, para aguentar noites mal dormidas e parecer apresentável. Eu pagava com comida e exigia performance. Não havia intimidade. Era uma relação funcional.
Eu não morava nele. Eu morava um palmo acima, na minha mente.
A mente era a minha casa. Um loft barulhento, com mil projetos, listas e diálogos imaginários acontecendo ao mesmo tempo. A vida “real” acontecia lá. O corpo era só o veículo que arrastava o loft por aí, um veículo que, com frequência, parecia pesado e cheio de problemas.
Eu não sentia as emoções no corpo; eu as analisava na mente. A tristeza era um problema a ser resolvido. A raiva, uma falha de caráter a ser suprimida. A alegria, um indicador de performance.
E isso funcionou. Por muito tempo. Até o dia em que o motorista parou o carro, tirou a chave da ignição e se recusou a continuar.
O ponto de ruptura não foi dramático. Foi uma crise de pânico numa tarde de terça-feira, sentado à minha mesa. Meu coração disparou sem motivo. O ar parecia grosso demais. E a minha mente, a gerente-geral que sempre tinha as respostas, ficou muda. Pela primeira vez, ela não tinha um plano.
Ela só tinha medo. E o medo era inteiramente físico.
Ali, no chão que desapareceu sob os meus pés, eu entendi: a casa que eu achava segura era um castelo de cartas. E o estranho que eu tratava como motorista era, na verdade, o dono do carro, da estrada e do mapa.
Minha jornada de volta começou desajeitada. Tentei meditar e minha mente gritou mais alto. Tentei “pensar positivo” e me senti um idiota. Eu estava tentando usar as ferramentas da mente para consertar um problema que não era dela.
Foi quando comecei a buscar caminhos que falavam uma linguagem que meu intelecto não entendia, mas que meu corpo parecia lembrar. Foi assim que encontrei um Tantra que não era o que me vendiam, que não prometia nada, apenas me convidava a sentir.
E aí veio a segunda lição: eu não sabia como. Descobri, na prática, por que sentir é tão difícil. As primeiras tentativas eram frustrantes. Eu me sentava para sentir a respiração e tudo o que sentia era a lista de compras martelando na cabeça.
A grande virada não foi um orgasmo cósmico ou uma visão transcendental. Foi mais simples. E mais real. Foi um dia, no banho, em que, exausto de tentar “sentir” do jeito certo, eu desisti. E apenas senti a água quente escorrendo pelas minhas costas. Só isso. Sem nomear, sem julgar. Por cinco segundos, eu fui apenas um corpo debaixo d’água.
E naqueles cinco segundos de nada, houve paz.

Naquela paz, eu entendi. Voltar para o corpo não era mais uma tarefa para a mente. Era a rendição da mente ao corpo. Era parar de tentar dirigir e, finalmente, sentar no banco do passageiro.
Hoje, a mente ainda é um loft barulhento. Mas agora eu sei que posso descer as escadas a qualquer momento. Posso sentir meus pés no chão. A ansiedade ainda aparece, mas agora ela tem um lugar para pousar. Ela não me sequestra, porque agora tenho um corpo para atravessá-la.
Eu não consertei meu corpo. Eu passei a morar nele. E descobri que ele nunca foi um problema.
Ele sempre foi um lar esperando para ser habitado.
Se esta história ressoou aí dentro, saiba que ela não é apenas minha. É a história de muitos de nós. É a jornada de volta para casa. E ela é possível.